domingo, 25 de dezembro de 2011

O ódio

Ódio não é revolta;
Ódio não é o reverso do amor.
Ódio é antônimo da compaixão,
Da solidariedade,
Da própria humanidade.

Não se sente ódio pela injustiça;       
Não se sente ódio dos fatos;
Não se sente ódio do inimigo;
Não se sente ódio do adversário;
Contra esses nos revoltamos,
Queremos subjugar,
Aniquilar até;
Mas para o ódio isso não é suficiente.
O ódio é irremediavelmente descabido.


Não há reação que responda ao ódio.
Morte, sofrimentos, torturas, vinganças, trucidamentos...
Nada disso pode acalentar esse sentimento.

Sabemos bem a quem odiar,
O ódio tem rosto,
O ódio tem alcunha;
Não odiamos o desconhecido,
Mesmo que ele gere o ódio desencarnado.

Um comunista brasileiro
Ou um judeu alemão,
Não odiaram Hitler ou Geisel;
Odiaram Oliveiras e Helmuts.
O ódio se sente na carne
E dela se expande da única maneira possível,
Odiando mais e mais.





quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Escrito de aniversário.

Como é gostoso receber o amor infantil! Não acredito que seja um amor mais puro ou desinteressado, mas a forma como os pequenos veem o mundo é tão singela, única e ao mesmo tempo tão conhecida por nós, pela criança que carregamos conosco, que basta um gesto de carinho, uma brincadeira inocente para podermos liberar nossos sentimentos. Ao chegar no Cumapadre, o abracei e chorei um pouco em seu ombro, quando a criança percebeu e perguntou à mãe: "o que que tá doendo no tio Pedro?" Aí só deu ela. Fomos para um bar na Urca, à beira mar, muito gostoso e aprazível. Corri, brinquei, ri, fiz cócegas, carreguei ela de todas as formas, no meu ombro, de cabeça para baixo, nas minhas costas, dependurada em mim... Fomos brincar no Píer e enquanto conversávamos sobre o que realmente faz sentido como monstros marinhos, sereias, garças que afundam, famílias de siri, quantos barcos existem, com a pequena enganchada em mim, motivada pela agonia que o mar lhe causava, algo meio mórbido, meio inocente, tangenciou-me em algum lugar de minh'alma. Uma vontade de me jogar no mar com ela. Minha vida e a dela poderiam acabar ali, já era suficiente a dor que eu vivi e a que ela viverá, para além de suas dores de criança, que até me pareceu crível tamanha insanidade. Olhei para trás, vi a mãe dela e meus pensamentos suícidas e homicídas fugiram.


Fragmento de carta enviado à Daniel do Vale em 19 de Dezembro de 2010



quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Sono Amazônico


Enquanto o dia te confronta,
E a noite te assusta,
Você reage assim,
Se encrua,
Em seu sono amazônico,
Que suprime espaços, tal um supersônico.

Se a dor do teu ventre sobe,
Se arraiga em sua mente,
Seu luto você precisará mentir,
Mas não há pecado a confessar,
No seu sono, o amazônico,
Que, de tão leve, irônico.

E quando o amor egoísta franze a tez
Lhe exige desculpas pelo que és,
Lhe induz a afirmar o que nega:
A distinção entre fato e amor que não enxerga.
Então vá para o seu amazônico sono
Que, quem sabe amanhã, será o tônico.

Onde o sol ilumina,
Mais uma bifurcação em sua trilha,
Não confronta,
Não confunde,
Não encara.
O breu lhe conforta
Neste seu sono, amazônico,
Que já se faz crônico

Entretanto a ausência dói,
O querer não mais te compraz.
O tempo precisa ser conjugado
Para reparar seu sono;
Aquele seu sono, o amazônico,
De perto trágico, de longe cômico.

sábado, 22 de outubro de 2011

DesEquilíbrio

Quando experimentei a gangorra,
Já era grande.
Quando mergulhei,
Me perdi entre as águas,
De tão pequeno.
Quando achei o meu par,
Encarei revoltas,
De tão intenso ser.
Quando veio me falar,
Não achei as palavras,
De tão maldosa cegueira.
Quando fui me mostrar,
Mostrei o lado errado,
De tão inocente.

E o lado de lá da gangorra
Parecia mais leve.
Avistava acima
E por cima só o cinza
E mais acima só o frio.

E eu cá embaixo,
Achando que o brinquedo pendeu para o meu lado,
(Pela lei de Newton)
Me esqueci  da natureza de minha parceria,
Que estava onde sempre esteve,
No seu habitat cósmico,
No qual nunca pude chegar,
Onde não alcanço;
E meus olhos inexperientes,
Sequer veem;
E meu pensamento retopositivo,
Sequer imagina;
E meu corpo, cismada matéria,
Sequer toca;
E meu tempo, tique-taque de vício,
Sequer espaça;
E meus sentidos, aperreados,
Sequer percebem;
E minha vida, enjaulada,
Sequer expande.

Mas, de lá,
Onde minha criança vive,
Trovejou um raio.
De uma boca de céu
Iuminou um sorriso.
Do frio,
Se apressou uma chuva.
Enquanto a lua coroava,
A balança ( momento mágico),
Para lá lançou.

domingo, 18 de setembro de 2011

Poema de agora.

O que é esse sempre?
Esse sempre dito sempre?

Quais significados impõem ao sempre?

Quando te vi, te reconheci como sempre.
Um sempre passado e doce como à uva;
Sensação que trago comigo desde sempre
Que sempre é meu;
Mas sequer me lembro do meu passado infantil,
Que dirá do meu sempre passado fetal?
O que dirá então o meu sempre ancestral?

Acreditamos, somos para sempre, no sempre futuro do devir imponderável, sempre;
Agonizante na certeza.
Agoniaste de esperança.
Mas que sempre será esse do virá?
Compromisso irrealizável?
Mortificado pelo indelével fim de sempre?

Que rumos tomará o tal do sempre,
E para onde nos navegará?
Em qual destino cósmico nos levará?
Ora, para o lugar aceitado-nos como para sempre,
Intuído-nos que existe antes e depois de nós,
Inconcebível sempre.
Sempre aprisionado pela limitada existência.

O sempre estático não me interessa.
O sempre remissivo me repele.
O sempre vindouro me assassina.

Quero o sempre da mudança,
Da criação,
Da revolução que nada deixa no lugar deste sempre presente.

E agora o tempo escorre o de sempre;
Viveremos o presente?


domingo, 11 de setembro de 2011

"Should I stay or should I go"


Quero te tocar d’outra maneira,
Quero te ter por inteira;
Minha vontade é te possuir,
Levar-te aonde quiser ir.
Mas pessoas não se têm,
Destinos dependem da partida;
Einstein bem nos ensinou
Que a distância depende donde se vê,
E o amor, que o belo depende de quem vê.
.
Querer chegar a ti é ilusão,
Desejar entrar em ti é tesão.
Mas não só isso,
Animal não sou não,
É amor do pulso coração.

Deveria ficar ou ir agora?
Idas e vindas dependem de nossas vidas.

Se eu for, preciso que queira ir comigo,
Se eu ficar, não sei se estarei contigo.

Grilaram uma casa em mim,
Casa forte e inabalável.
Ela me acompanha para onde eu for?
Ou ficará em mim apenas se eu perpetuar?

Não queria o morador dela, nela;
Queria você no castelo que ergui,
Desejo você para caminhar nas minhas sendas,
Sem a tristeza do contrário “sadness”,
Andar contigo, pés a pés, juntos.
Achar o arco íris do encantado lugar,
No qual o rio encontra o mar.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Invernal


Defendo-lo para preservar-te;
Preservo-te para cuidar-me;
Cuido-me para existi-lo;
Existo-lo para amar-te;
Amo-te para... amar-te.

Minha pele limita-se;
Tua alma limita-me;
Minha unidade corrompe-te.

Minha repetição, corrói-nos;
Tua corrupção repete-se;
Tua repetição sabota-me.

Minha sabotagem, alimenta-te;
Teu alimento enciúma-nos;
Nossos ciúmes criam-lo;
Nossa criação alimenta-vos.

Vosso alimento, mata-me;
Minha morte envaidece-te;
Tua vaidade agiganta-lo;
Odeio-mo-los.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Do verão


Seus verões são assim:
Vai e vai
Do murmurinho ao burburinho;
Descontrai e esvai;
Descuida e escorre;
Esquenta e esquece;
Se esconde e se distrai.

Nas tempestades, de meu peito trôpego,
Brotam trovões de prata
Que atrapalham o preto céu,
Breu em que me encontro atarantado.

Mas disso não ficarei grato;
É que grunho enquanto gritam os grilhados
Que de graça me engrutam.
 
Se depois mirar meus olhos marejados,
Mergulhe no mar bravo;
Não se atenha à areia,
Se jogue nas ondas de minhas teias
Mesmo em confusão de sereia;
Para que eu volte a lhe amar inteira.
Para que meu coração não dê volta e meia.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Viagem de separação


Mesmo quando voltas,


O tempo da viagem nos separa;


Mesmo quando vens,


A viagem já foi.





Mas que viagem é essa que não tem passagem de volta?


Se quem vem já é outra pessoa?


Passaram-se dias à toa?





Viagem maior é ficar a te esperar.


Viagem maior é não querermos mais.


Viagem maior é renegar a paz.


Viagem maior é mudar.





Viagem sem destino é aquela de mim a ti.


De ti a mim é aquela de aquarela,


Borrada e pasteurizada,


Da viagem do nada ao nada.





Se no saguão não te espero,


É pelo que anteviu meu coração;


Solitário e embebedado de negritude


Da viagem que minhas dores inventam


E da minha carne se alimentam.





Bilhete expirado: Quero me devolver a você.

domingo, 27 de março de 2011

Das dores


Nome nenhum seria melhor;
Quieta em seu canto não esconde sua alcunha,
Quando se mostra não desonra seu batismo.
E se vem feliz a cantar pelos cantos das Geraes,
A contra pêlo não nega seu chamado.
Quando encontrada em sua banheira,
Já fria d’alma;
Epitáfio de Maria,
Que depois de morta se redime.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Diálogos de ateu


Oh Deus, quando me for, o que será de Ti?
Foste Deus em vida, em morte o que será?
Nunca Te imaginei hermafrodita ou luz;
Sempre vi em Ti um capuz,
De serventia para cobrir pensamentos humanos,
E também tem barbas o que me sugere Teu gênero.
Apesar de não ser quem venero,
Me fez crescer cem anos.
És misticamente secular
E eu não sou em par,
Neste tempo circular
Que mantém teso o arco de Tua existência.

Oh Deus, Te pergunto, o que será de Ti?
Vermes virão de mim se nutrir,
Mas Tu ainda estarás aí?
Escondido em Verdades inquestionáveis,
Confessado por bocas indiscutíveis,
Cantado apenas por permissíveis?
Já Te mataram nas artes, filosofias e ciências,
E apenas eu, ateu, permaneço em Tua crença,
Pois quem veio ao mundo em Tua defesa,
Fica cego de tantas certezas.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Verdade do amor ou dos fatos?


A verdade do amor não é a verdade dos fatos.
Até mesmo o desejo não é a verdade de si.
Quando digo que te amo não é apenas para ti,
Digo isso esperando, para mim, o pós-ato.

Se alguma vez foste objeto do meu amor, ou do meu calor, não foi à toa.
Isso só reforça teu compromisso,
Pois quando te falo, te provoco, te atiço.
E assim não és mais passiva, não és apenas meu cismo.

É que sou carente do toque, da textura do verbo.
Amo tanto para ser amado,
Desejo para ser desejado.
Se do teu coração sou despejado,
Saio trôpego, cambaleante.
Mas se em posterior instante me mostro vibrante,
Não quer dizer que eu me manifeste ao primeiro semblante.

Amo demais, mais que deveria,
Menos do que gostaria;
Portanto se ouvir de minha boca o amor dirigido aos teus ouvidos,
É que meu coração já explodiu inteiro, não está dividido.
Se autônomo se movimenta meu ser emotivo
É por ser tu, apenas tu, o meu motivo.

Diálogos de vulcão ou reminiscência de amor.


I
Se me escondo no que não me afeta
Crio belas trincheiras de mim;
Quando vou de encontro ao que me inquieta,
Caio numa covardia sem fim.

Mas o que importa se somos apenas personas?
Se o que aparentamos é o que somos?
Se não há um Eu puro, se sempre se relaciona
Com o Outro e por mim me tomo.

Vou me jogar, ser inconseqüente,
Com proteção, ou não, de gentes.
Disso não preciso estar ciente,
Nem entender esse passado tão presente.

Mas que persona criarei nesse movimento?
É isso que me angustia;
Deveria procurar em mim o meu alento,
Deixar-me tomar desse passado que me guia,
Para que meu presente se apresente,
Para que nele eu viva
Sem o peso do remanescente,
Sem parecer uma decadente diva.

Os ditos e desditos de pedra
Não evitarão essa queda;
Que não será de um precipício,
Mas desse imanente vulcão
Que não muda a antiga questão:
Entra ou não entra em erupção?


II

Ficar á vontade,
Na dança ou na escrita,
Não é algo que importe;
O importante é fazer o que te arde,
Que aí sim fará como arte.

Mesmo que pareça estranha,
Tem que se deixar à sorte,
Se levar pelo que te apanha,
Mesmo que outros não compreendam.
É o modo que se compartilha,
Mesmo que digam tênis ao invés de sapatilha.

Um vulcão pragmático,
Poucos desejam.
O maioral é prático.
A verdade que não vejam!
Que permaneçam estáticos!
Supere os que te negam,
Desrespeite o não,
Ainda mais ao entrar em erupção.

Quando jorra teu magma
E se faz em gozos,
Mostra-se além da crosta
E por tanto não vale cair em choros,
Já que é natureza exposta,
Já que se libera pelos poros.
Nisso não há vergonha!
Não há arrependimentos!
Pelo menos é assim que tento,
Para não me perder na externa moral
Nem me preocupar em ser o tal.

O pós-evento do gozo será sempre incompleto.
O desejo existe na busca
Quando explode seu ímpeto,
O que queria se ofusca;
Perde seu sentido e esconderijo.
Mas não buscá-lo é um sacrilégio,
É se submeter ao régio.
Para um ser tão poderoso,
É um desperdício de potência,
É fugir do que é gostoso,
Mesmo que disso não se tenha ciência.


sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Sem medo


Minha carcaça não é de ferro,
Se me apertares muito berro,
Já sabes que sou feito de barro,
Nada mais que areia e terra.

Mas apesar de minhas fraquezas,
De me perder em incertezas,
Sou forte como um touro,
É difícil tirar meu couro.

Se conseguires adentrar minhas entranhas,
Aí sim me ganhas,
É que gosto de sangrar,
Sentir meus miolos a estourar.

Não penses em masoquismo ou perversões,
Eu aprendi que a vida machuca,
O que ela pede são ações,
E não a ilusão de pretensas proteções.

E vou assim compreendendo a vida,
Se num momento me surpreende uma mordida,
No segundo seguinte vou admirá-la,
Pois só assim posso amá-la.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Vida sem vigília.


Preferiria dormir.
Morte em vida,
Dia não vivido, criado;
Para não desperdiçá-lo,
Nos braços de Orfeu ninado.
Vezes menos que veria.
Escuridão, ao invés de vistas cansadas;
Descanso, ao invés de apatias;
Sonhos, ao invés de pensamentos.
Ilusões sem drogas,
Passeios sem fadigas,
Silêncios sem zumbidos,
Fantasias sem relação.
Gozos imaginados, não desperdiçados.
Sentidos inalcançáveis,
Apenas signos.
Paixões platônicas realizáveis.
Preto e branco, não mais pastel.
Deslizar até o céu,
Para no outro dia quem sabe,
Querer viver a vida.